A Coisa

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De repente me lembrei do filme “A Coisa” , de 1985. Uma gosma branca que brotava do chão e que possuía um sabor irresistível foi descoberta e passou a ser vendida nos supermercados como sobremesa. Em pouco tempo , “the stuff”  (a coisa) fez tamanho sucesso que ganhou jornais, TVs e toda a população ficou viciada nesse produto.

Começam então pequenos episódios de violência gratuita vindo de parte dessa população: homens, mulheres, idosos, crianças, animais. Aos poucos, esses episódios aumentam e tomam a maior parte da população.  O ápice das cenas desse thriller de terror é quando as pessoas começam a falar estranho, fazem movimentos esquisitos com o corpo e, de repente, ficam deformadas e “a coisa” explode a pessoa. Sai pela boca e invade todo o espaço à volta, devorando o que estiver por perto.

Penso na Coisa que comeu a pessoa que comeu a Coisa.

Penso na juíza que coagiu uma menina de 10 anos, vítima de estupro, a não fazer um aborto legal. Penso nas pessoas “supostamente religiosas” que constrangeram a família desta menina a mudar de endereço.

Começo a voltar no tempo e um filme se desenrola a partir daí:

Penso em Dom e Bruno, mortos por defender aquilo que todos deveríamos defender.

Penso no escárnio do nosso presidente diante disso tudo.

Penso em nossos ministérios ocupados por pessoas que estão ali para fazer o oposto do que o cargo exige. 

Penso num Ministro da Educação que usa o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para pagar propina para pastores.

Penso num Ministro do Meio Ambiente que aproveita o ensejo da Pandemia para “passar a boiada” e flexibilizar as leis de proteção.

Penso num Ministro da Saúde que é contra a Ciência (e contra a vacina).

Penso num Ministro da Defesa que ameaça o país que deveria defender. 

Me lembro, logo no começo da pandemia,  daqueles episódios de violência contra profissionais da saúde que homenageavam seus colegas mortos no exercício da profissão, pela COVID19.

Penso novamente no Filme “A Coisa” e nas eleições que se aproximam.

Vivemos tempos onde a Realidade tem espancado a ficção. E a inocente Gosma branca em potes de sorvete no mercado em 1985, pressagia nossa “gosma numérica” vendida em todas as prateleiras virtuais. Tudo o que comemos quando abrimos o WhatsApp e nos deparamos com notícias bizarras que se pretendem reais. Toda essa gosma vendida nos últimos anos: gripezinha como conspiração comunista, plano macabro da esquerda, mamadeira de piroca, terra plana, cloroquina, messias, milagre, medo. Agora, próximo as eleições, recomeçam os bombardeios virtuais que, se não estivermos atentos, começam a nos devorar por dentro. 

Quantos milhões de nós comemos algo que hoje nos devora por dentro e deforma nosso organismo, nossa percepção, nossa fala, nossa subjetividade?

Não consigo pensar mais em “seres humanos” se manifestando contra uma menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio. Assim como não conseguia pensar em seres humanos fazendo manifestação bloqueando passagem de ambulância, obstruindo entrada de hospital no ápice da pandemia em 2020. 

Só consigo pensar em gosmas dentro de corpos. E quando ouço pessoas apoiando essas ações das gosmas penso que também são gosmas dentro dessas pessoas apoiando a si mesmas noutro corpo.

Talvez nunca nos sentimos tão sós. 

Da solidão de ver essa gosma ganhar mentes e corpos conhecidos e desconhecidos, de não saber ao certo se isso também pega. Se não seria esse o prenúncio de algo muito mais terrível que a COVID19, por exemplo.

Uma pandemia mais lenta e geracional que, aos poucos, vai sequestrando nosso íntimo. 

No filme, um personagem diz a seguinte frase: 

“Eu já vi o que sobra delas depois que A Coisa acaba com elas. Parece que fica tudo oco quando ela vai embora”. 

“Parece que fica tudo oco quando ela vai embora”. 

Oco assim como sinto esse grande organismo do qual somos todos parte nesse momento. Oco de nós. 

Que não sejamos A Coisa.

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